sexta-feira, 19 de outubro de 2007

A vaca que caiu do céu

Eu e as minhas estranhas noites. É madrugada. Duas, três, quatro horas da manhã...? Não sei. Espreito pela janela. Vejo a rua escura cheia de nenhures, a calma, a vastidão do abraço sufocante... Altura propícia para pensar nos horrores e terrores, nos prazeres e amores a si associados.
E - oh! espanto! - uma vaca acabou de cair do céu.
Esfrego os olhos... só posso estar a imaginar coisas! Mas não. Foi como um projéctil lançado dos céus, lá dos cimos, do Senhor que nos comanda. E o corpo da vaca caiu no meio da estrada. Dei por mim a ter pensamentos terrivelmente espantosos como "ai! se passa aí um carro, a vaca vai morrer atropelada!". Não! Espera lá! Não há vaca nenhuma caída na estrada, eu estou só a imaginar coisas.
Tento distrair o olhar. Viro-me para dentro, belisco-me. Estou acordada. Espreito pela janela. A vaca continua no meio da estrada. Mas, agora, não está mais naquela estranha posição deitada de lado. A vaca, lentamente, vai-se erguendo nas suas quatro patas. E olha para mim. Agora só falta mugires, pensei. Não... Espera lá! Outra vez? Mas tu ainda pensas que esta vaca caiu mesmo do céu? Só posso estar a imaginar coisas.
Como se estivesse no meio do campo a pastar em conjunto com as suas congéneres, a vaca olhava de um lado ao outro, mas sempre no meio da estrada. Como se não bastasse ser uma vaca, ainda por cima é estúpida! Dei por mim a fazer uma quase-loucura. Ia abrir a janela e gritar Ó senhora vaca, faça o favor de sair da estrada, é que eu não me apetece mesmo nada assistir a um atropelamento, ainda por cima um atropelamento de uma vaca!
Felizmente, consegui conservar alguma sanidade mental - se é que ainda tenho alguma, sim porque falar de vacas em blogues deve ser algo inédito - e permaneci onde estava. Dentro do meu quarto, tudo vazio. Lá fora, vaca. Comecei a pensar no ridículo daquela situação: podia-me ter caído tudo... flores, chuva, tomates, couves... agora uma vaca?! Com aqueles cornos?
A minha mente já via o filme todo. Uma carrinha branca a descer a rua a alta velocidade com música dos Xutos a altos berros, a vaca prostrada no meio da estrada, o seu olhar estúpido como quem diz pois, que remédio, que sina, que vida, aqui estou eu a arrancar uns tufos da estrada... A carrinha a embater na vaca. E ai! Vai tudo pelo ar, vaca, carrinha, estrada. Não! Só posso estar a imaginar coisas...
E o melhor de tudo é que eu parecia estar a ser completamente ignorada pela vaca. Quer dizer, pensei, uma pessoa dá-se ao trabalho de se preocupar com uma vaca, pensa no seu bem estar e na sua saúde e...nada em troca?
Não, não e não outra vez! Mas não está ali nenhuma vaca, mulher!
E agora, perguntam vocês, e muito bem, como é que termina esta história? A vaca é atropelada? A vaca muge, dá três patadas e desata a cantar o hino nacional ao contrário? A vaca é levada por uma nave de extra-terrestres e - puff - desaparece?
Não sei se estão a chegar ao ponto de quererem saber esse tipo de coisas. E eu também não sei o que aconteceu à vaca que caiu do céu porque foi tão só e simplesmente isso: uma vaca que caiu do céu, nada fez, nada aconteceu. E eu cerro as cortinas, olhando uma última vez e sabendo que amanhã de manhã estará a rua coberta de carros, de gente, de luz...de vacas?!

Ah, grande vaca!

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Aqui vai um texto que escrevi para alguém que não mais vai voltar.


"Não sei a razão de estar a escrever esta carta. Possivelmente nunca a lerás (e eu também não faço questão disso). Onde estás, será que consegues ver-me debruçada sobre a secretária a escorrer em lágrimas e a escrever estas palavras? Desculpa se te incomodo... desde que foste, suponho que estejas em paz... Só que, por vezes, sinto a estúpida, digamos, necessidade de desabafar, mais que não seja para uma folha de papel ouvir. Espero que desculpes a minha ousadia em transmitir os nossos segredos - se é que ainda os temos - a uma página em branco. Mas o que é a vida se não escrevermos a nossa própria história? A minha tem sido escrita com alguma fantasia à mistura, bem sei. Bem sei também que as coisas não são fáceis e há feridas muito profundas que demoram a cicatrizar. Mesmo assim, apesar de todos os poblemas, a nossa vida tem de ter sempre bons momentos. E esses bons momentos dependem de nós e do nosso querer! Não sei se sabes, mas o que mais queria era voltar a ter-te aqui perto de mim, porque quando foste embora não avisaste. Podias ter deixado um recado - ou um sinal. Mas não deixaste e hoje, cada vez mais, tenho a certeza de que se aqui estivesses, não teria de passar por muitas coisas absurdas e sofrimentos inúteis. Tenho medo e temo por ti pois nada me garante, nem mais há-de conseguir garantir, que tu estás bem. Não posso ser egoísta. Mas peço que desculpes o meu egoísmo, a minha vontade de arrancar-te aí de cima e trazer-te para a minha vida. Não te sei explicar mais. Há sentimentos para os quais não conseguimos encontrar uma explicação lógica. E é muito doloroso pensar que neste mundo - e nesta vida - pouca gente é capaz de perdoar as falhas dos outros. Talvez esteja muito errada, espero dia e noite por um sinal teu; por um gesto que me permita dizer finalmente que posso descansar.
Estas palavras... por favor, não as interpretes como uma afronta, pois eu amo-te e nunca seria capaz de pensar em usar palavras que te possam ferir. Se estivesses aqui comigo, certamente dirias que não é, de modo nenhum, pouco dignificante admitir que sofremos por amor e que só podemos curar as nossas feridas encontrando a companhia do próximo...
Não estás. Nunca estarás. Porque os nossos mortos não voltam."